Apesar da recessão econômica em que o Brasil se encontra depois da crise pandêmica, os empregos gerados dentro do setor cooperativista aumentaram 8% nos últimos dois anos, aponta a mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, Adriana Amaral.
Os dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2022, apresentados pela advogada, também indicam um crescimento de 10% no número de cooperados no País. “Temos um crescimento silencioso do cooperativismo e a sociedade, na maioria das vezes, não tem noção do quão grande é o setor não apenas no Brasil, mas também no mundo”, disse a especialista. O debate, que aprofundou a discussão sobre as raízes e as perspectivas de futuro do cooperativismo brasileiro, foi realizado no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), nesta segunda-feira (21/11).
O webinar, promovido pela Comissão de Direito Cooperativo do IAB, foi presidido pelo diretor secretário responsável pelas Relações Institucionais da entidade, Armando de Souza, que destacou que o debate é um tema relevante, especialmente na nova fase de retomada da economia brasileira, a partir do próximo ano. A discussão também contou com a participação do presidente da Comissão de Direito Cooperativo, Paulo Renato Fernandes da Silva, e do desembargador federal do TRF da 2ª Região André Fontes.
No Brasil, o cooperativismo, que é a atividade baseada em união para o desenvolvimento e produção de riquezas, possui berço histórico no período imperial. O aprofundamento do debate a respeito das raízes do pensamento nacional sobre o tema é o viés analítico da dissertação de mestrado de Amaral. “Com a vinda da família real, em 1808, vieram também muitos intelectuais, trabalhadores, e a sociedade urbana tomou uma forma cada vez mais firme”. A partir daí, segundo a advogada, a impressão de periódicos e a circulação de veículos de notícias contribuem para a difusão de pensamentos teóricos sobre o tema, que chega, posteriormente, na esfera legislativa.
“Em 1878, temos o debate sobre a Lei das Sociedades Anônimas, onde o que se quer é que elas possam se organizar sem pedir autorização da Corte. Nesse debate, vários serão os senadores imperiais que vão falar que as cooperativas deveriam estar incluídas na lei, pela sua importância e resultados, já que eles trazem números, informações e debates. É importante chamar atenção para o fato de que eles tinham conhecimento do que era o cooperativismo. Tanto é, que nesse período da geração de 1870, nós vamos ter as primeiras cooperativas no Império”, explicou. O desafio, para a especialista, é pensar como a história reflete no presente e como o cooperativismo tem se atualizado através de novos desafios.
Nesse ponto, indagou André Fontes, “a cooperativa de hoje já não é mais a do século XIX?”. Para o desembargador, há o questionamento se o cooperativismo atua em competição com a empresa moderna dentro da competitividade internacional. “A cooperativa moderna é uma filha distante, uma neta ou bisneta, da cooperativa do século XIX, ou é um novo personagem na figura econômica moderna? Será uma espécie de união de esforços, não mais para olhar para o ser humano, mas sim para a economia objetivamente considerada empresa?”, questionou Fontes, que acredita que a legislação brasileira caminha para dar às cooperativas uma feição comercial. Amaral sinalizou que a cooperativa do presente deve, idealmente, existir através da participação social, objetivando ainda a distribuição de renda nas atividades.
Um dos desafios do presente, para Amaral, é lidar com as leis que tratam do tema. “Temos uma legislação que não só não privilegia, mas que não compreende exatamente a cooperativa. Quando há uma comparação aplica-se à cooperativa aquilo que se aplica à lei das sociedades empresárias. A cooperativa está sempre sendo levada, não como uma característica específica, mas como uma associação”. Para a advogada, as normas atuais também dificultam as pequenas cooperativas. “Era exatamente para o pequeno que a cooperativa deveria trazer à tona a dignidade e a possibilidade de ser incluído numa sociedade em que não há inclusão de outra maneira, nem com vínculo de emprego”.
O desafio desse mercado crescente, de acordo com Paulo Renato Fernandes, também passa pela compreensão, do ponto de vista do Direito, de como regular novas modalidades de trabalho cooperativo, como é o caso dos serviços prestados por aplicativos de entrega. “É um trabalho que não é classicamente desenvolvido dentro do padrão traçado pela CLT, é difícil você enquadrar essas pessoas como empregadas, mas, por outro lado, eles trabalham através de um aplicativo de propriedade privada. O cooperativismo pode representar não uma alternativa, mas um caminho próprio para esse contingente de trabalhadores se organizarem numa plataforma própria”, opinou.
Segundo o advogado, a volta histórica do trabalho associado é uma abertura de caminho para que o cooperativismo possa oferecer alternativas mais modernas para esses trabalhadores, como o empreendedorismo, por exemplo. “O cooperativismo não pode parar no tempo, ele tem que acompanhar as transformações da sociedade e do mercado. Evoluções e mudanças não significam que vamos perder as características do cooperativismo, pelo contrário, apenas atualizar e revisar seus objetivos e parâmetros, a fim de que o Direito Cooperativo possa se abrir cada vez mais para a sociedade”, concluiu.